Quando o homem pisou na lua, o mundo comemorou a grande conquista,
mas a canção, nem tanto: “Poetas, seresteiros, namorados correi, é
chegada a hora de escrever e cantar talvez as derradeiras noites de
luar”. Porque sabíamos que, do encantamento natural humano pela
descoberta, já pouco restava. Na verdade, a pegada registrada na
superfície da lua, cumpria muito mais a função de uma logomarca,
evidenciando a posse de quem chegou lá primeiro.
Já bem distante daquele momento histórico, outra notícia, à primeira
vista não tão grandiosa, foi anunciada recentemente: “Estados Unidos
abandonam a escrita de mão” *. Uma conseqüência natural do progresso na
opinião de uns. Um risco para a formação da personalidade na opinião de
outros. Para muitos educadores, um prejuízo ao desenvolvimento
psicomotor ou, ainda, para os grafólogos, o fim de uma das mais
sensíveis técnicas investigativas.
É possível que outros instrumentos como os jogos eletrônicos e tantos
aplicativos possam substituir o exercício cerebral demandado pela
escrita de mão. E é de se reconhecer também o quanto a digitação pode
ser inclusiva para os que não podem se expressar pela escrita cursiva.
Porém, há algo que a digitação não poderá reproduzir: a sensação viva de
nossa presença. “Ah, isto deve ser da Maria!” ou “Esta letra é do
Pedro!” Quantas vezes já não reagimos assim ao deparar com uma anotação
num pequeno post it? Nossa letra nos identifica, nos representa, nos aproxima e pode até revelar nosso estado de espírito ao escrever.
Assim, o abandono da letra cursiva simboliza, sobretudo, o fim de
outras manifestações sensíveis do homem, tal como ocorreu na grande
conquista de 1969: ganhamos a lua, mas perdemos o luar. Prosseguimos
ganhando em inovação, mas perdendo em poesia. Na modernização de nosso
lazer, ganhamos o esplendor das vitrines dos shoppings enquanto perdemos
o cheiro vivo das árvores, do gramado do parque, do suor das crianças
extravasando energia e inventividade. Na praticidade das redes sociais,
ganhamos o poder de falar com centenas de pessoas todos os dias enquanto
perdemos o hábito (e o tempo) de abraçar quem está ao nosso lado. Nos
medicamentos avançados, ganhamos a comodidade de ver crianças
disciplinadas e atentas, mesmo a assuntos de que nem gostam, enquanto
perdemos a aventura de vê-las desabrochar em sua forma única e mostrando
a que vieram.
Como aprenderão as crianças a entender o que há além das palavras se não
puderem imprimir, junto com elas, os garranchos da construção de sua
identidade? Enquanto a tecnologia avança, ganhamos mais tempo. Tempo
para escrever mais palavras por minuto, apagando nossas falhas e
imperfeições. Tempo para sobrepujar o tempo humano que levaríamos para
fazer as coisas, eliminando as emoções que “retardam” os prazos sempre
para ontem das negociações.
Fonte: Envolverde
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